24.4.10

A lista de coisas que não deveria existir

"Assim que se olharam, amaram-se; assim que se amaram, suspiraram; assim que suspiraram, perguntaram-se um ao outro o motivo; assim que descobriram o motivo, procuraram o remédio."
SHAKESPEARE, William.

E o contínuo hábito falho de listar tudo o que vemos.

Colocamos tudo num espaçamento, às vezes mental, entrelinhas, só para não entrarmos no jogo da memória. "Bonita", "Inteligente", "Adorável", "Cheirosa" e então construímos muros, pífeos muros de obsolescência programada.

Eu sei que estas paredes irão ruir a qualquer momento.

"Mas por quê?", perguntou-me um amigo, ansioso por tópicos pontuados pularem da minha boca; coitado, pois se decepcionou em seguida com a minha frase única. Não basta apenas a vontade?

Não se questiona o motivo de um poeta ao versar. E versamos em ações, nós, quando dedicamos o precioso tempo por algo que valha a pena. Logo, somos todos poetas, e não se questionam seus motivos.

18.4.10

Everything you know is wrong

Acreditava nos sentimentos. Acreditava que um dia poderia mudar o modo como as pessoas agiam. Não estava interessado em fazer isso pelo bem do mundo, pelas mortes na África, pela cura do câncer. Não estava interessado no presidente, no papa, no ladrão. Queria o sorriso daqueles que adorava. Não era hipócrita. Não, não era. Ele só acreditava.

Foi forçado a entender que tudo que sabia era errado. Foi forçado a desacreditar em uma coisa especial que tanto cultivava dentro de si. Às vezes assistia cenas violentas só para se dar conta que seu lugar era entre pessoas que sangravam, mas nada era comparado à tamanha dor que se apossou de seu corpo quando, atônito, viu tudo aquilo que lutou para construir se desfazer em pó e do pó em nada.

Ria. Como pode ser estúpido a tal ponto?! Acreditar nisso?! Sentia era dó de si mesmo. Por um momento viu o que era o amor, alcançou glória divina. Sonhava em ser Dante.

Agora não precisa mais de cenas violentas. Olha nos olhos de quem passa ao seu lado, daqueles sentados no ônibus àqueles sentados em tronos, e reflete como tudo poderia ser diferente se agíssemos em verdades, não em mentiras. Mas então aceitou isso e continuou vivendo (talvez pela obrigatoriedade), não podia esperar algo que inexiste nessa dimensão.

Ainda acredita no amor, mas acha mais fácil fazer o bem ao mundo e curar pessoas.

17.4.10

Desperdícios

"A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade."
ANDRADE, Carlos Drummond de


Esquecemos do tempo que passa, aflito. Ele não olha pra trás, não precisa. Nós sempre olhamos, não deveríamos.

Quando temos as chances escassas, poucas mesmo acontecendo em frequência, as desperdiçamos, mas não sabe o quanto isso é caro.

Ele tenta explicar o valioso, mas não existe solidez nas palavras. Está fadado ao vento produzido pelo tempo.

Ela reclama do tempo em vão, quando deveria se orgulhar do tempo em mãos.

Ele sabe que só o ouvirão quando puderem tocar, mas prova da mesma ironia que usa: ele é o manipulado e o tempo seu manipulador.

Os dois nunca saberão quais frases e palavras ficaram perdidas no espaço que esvanesceu. Quais momentos únicos poderiam recordar. Quais sorrisos, risadas, cheiros, carinhos, sons. Tudo agora não passa de uma massa sólida e aterrorizante.

Sinto que este pobre coitado sonha muito em viver. E isso continua a custar, e como.

Estavam todos perdidos

E quando ouvi o tiro, vi todos os apressados dispararem ao meu lado, como flechas destinadas a perfurar, zangadas contra o vento. Nos apressados coloco os lentos também, que seguem apenas os caminhos descobertos.

Todos cruzam a linha de chegada, e em meu passo cauteloso percebo que não sabem o que fazer. Anseiam por uma voz, fria e sistemática, num tom anunciador.

Mas não há voz. Não houve voz. Estão todos ali, de onde poderiam vir as vozes?

Se correram até ponto longínquo, deveriam saber o que fariam depois, pois tinham certeza que era sobre o que falavam. Chegaram até lá, conquistaram o que queriam. Foi ai que notei que não queriam nada. Mas antes eu havia desperdiçado a chance de ouvi-los e sentiam pena de mim, que pena a deles, pois a sinto por eles agora.

Hesitei, estava a um passo do risco último quando decidi voltar. Pois sabia que em algum ponto perto daqui, havia um lugar onde eu sabia o que fazer. E então caminhei tranquilamente, todo o mundo que faça o contrário.

4.4.10

Meu teste

"Eu sentia que o mundo é um labirinto, do qual era impossível fugir, pois todos os caminhos, ainda que fingissem ir ao norte ou ao sul, iam realmente a Roma."


BORGES, Jorge Luis